Uma facada nas costas




Publicado em: O Gaiense, 25 de Fevereiro de 2012

A conversa “privada” de Vítor Gaspar com Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão, na sala do Conselho, já foi considerada uma boa notícia para Portugal (porque flexibiliza as condições impostas pela troika), uma má notícia (porque reconhece que não vamos conseguir respeitar o programa) ou um desmentido das palavras de Passos Coelho (por causa do “much appreciate” de Vítor Gaspar). Mas há um outro aspecto que vale a pena analisar.

Foi com a troika que o governo assinou o programa, é com a troika que o discute, é da troika que deveria esperar respostas, se algum dia o renegociasse. Ora, nem o ministro Schäuble nem o seu governo fazem parte da troika. Eu não nutro qualquer simpatia ou respeito pela troika, nem pela forma como a UE está a ser conduzida nesta crise, mas reconheço que esta tomada de posição antecipada do ministro alemão, num tema em que não tem qualquer competência institucional, é uma desautorização completa da troika e uma violação escandalosa das regras de funcionamento da UE.

A grande virtude da difusão pública da conversa é mostrar, a quem ainda não tinha entendido, que hoje as normas e os Tratados europeus são letras mortas e que nas decisões fundamentais impera a lei do mais forte e o poder do dinheiro. Gaspar sabe que Schäuble não é da troika, mas sabe também que aquela confidência vale mais do que um mês de negociações com os funcionários que se deslocam a Lisboa em representação oficial das três instituições.

Pior do que uma UE com maus Tratados e más leis, só mesmo uma UE sem lei, ou sujeita à lei da selva. Aquela conversa “privada” foi mais uma facada nas costas do já tão debilitado “método comunitário” de trabalho e decisão.


[ veja também a nota biográfica na wikipedia ]

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