A entrevista do ministro Luís Amado e a questão do referendo

Publicado em: www.esquerda.net em 2007-07-29

Em vários aspectos, a entrevista do ministro Luís Amado a Judite de Sousa na RTP foi bastante mais esclarecedora do que a intervenção do primeiro-ministro no debate no Parlamento. Nomeadamente em relação ao Tratado europeu que se desenha. As respostas do ministro às insistentes perguntas da jornalista sobre o conteúdo do Tratado, e o que ele vai trazer de novo, foram um bom exemplo do que se pretende: afirmações evasivas, frases diplomáticas sem conteúdo concreto, complexidade jurídica e total opacidade para o cidadão comum. Esta é uma eloquente expressão do que se espera como resultado da Conferência Inter-Governamental: um novo Tratado que emenda dois Tratados anteriores, ficando os três em vigor simultaneamente, com inúmeras referências cruzadas e um complexo conjunto de anexos com derrogações e excepções, cuja eventual posterior consolidação ficará a cargo de peritos e que fará as delícias futuras dos juristas e tribunais encarregados da interpretação aplicada a casos concretos. Estamos longe da estrutura do defunto Tratado Constitucional que, apesar da sua extensão e de não ter merecido o nosso apoio, era no entanto um livro que os cidadãos interessados poderiam levar para férias para ler na praia e formular depois uma opinião, como fizeram os franceses e os holandeses. Também neste aspecto, a União Europeia se afasta ainda mais dos milhões de cidadãos, já tão distantes do entendimento do que se passa em Bruxelas.
Um aspecto em que Luís Amado foi bem mais concreto do que Sócrates tem a ver com a explicação das razões para que o governo português não se pronuncie, de momento, sobre a ratificação em referendo. Não é (ou não é só) porque, não havendo ainda Tratado, seria prematuro decidir como se ratifica, como afirmou Sócrates. É sobretudo porque, tendo o nosso governo a responsabilidade de presidir ao Conselho e a todo o processo durante os próximos seis meses, uma assunção favorável ao referendo criaria problemas agravados aos governos francês, holandês e inglês, entre outros. Amado disse e é verdade.

Mas é também pela mesma razão que nós temos que tomar a posição contrária. Há uma razão de fundo, que sempre defendemos, que se prende com o reconhecimento do direito do povo português se pronunciar, com carácter vinculativo, sobre uma questão central que afecta a sua vida individual e colectiva, tendo em conta que ficou plenamente demonstrado até que ponto a opinião dos parlamentos, infelizmente, não corresponde à opinião dos povos. Mas, a essa razão de fundo, vem juntar-se agora uma outra, na linha da que o ministro menciona: uma capitulação da exigência de referendo no país que vai presidir ao processo de elaboração do Tratado seria uma traição ao respeito e à solidariedade que a esquerda portuguesa deve àqueles povos que, com o seu voto, conseguiram travar um processo negativo para toda a União, e em cujos países a exigência de um referendo é absolutamente inquestionável. À solidariedade que Sócrates e Amado revelam face às dificuldades de Sarkozy, de Balkenende ou de Brown, há que opor a solidariedade do povo português aos povos da França, da Holanda, do Reino Unido e de toda a UE. A cada um as suas solidariedades.

Poder-se-ia (discordando) quase entender a posição do governo, mais enredado nas suas teias diplomáticas e nos compromissos do Conselho do que nos seus próprios compromissos eleitorais com os portugueses. Mas não se pode perdoar a traição capituladora dos eleitos socialistas que demonstram, mais uma vez, a inutilidade de um grupo parlamentar a que o voto de milhões de eleitores atribuiu mais de metade dos assentos na Assembleia da República. Alterar esta situação será uma condição essencial para começar a resolver os problemas, na Europa como em Portugal. À capitulação dos socialistas em toda a Europa e ao seu conluio com os partidos da direita, há que opor a construção de novos, amplos e plurais movimentos e partidos que resgatem a ideia de uma nova Europa social que, por estar ao serviço da maioria dos cidadãos, não terá medo de lhes dar a palavra nos momentos decisivos.

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